“O cristianismo atual deve muito aos cristãos africanos. Os ‘Pais da igreja’ pertenceram à igreja africana”
Essa frase é do pastor batista Paulo de Souza, quando entrevistado por mim a alguns anos. Mestre em Ciências Sociais e Ph.D em História pela Unicamp, é uma autoridade no assunto. Nesse dia em que o Brasil reflete a igualdade racial, quis contribuir com a publicação parcial dessa entrevista, uma das melhores que já fiz. Nessa versão, destaquei os trechos mais relevantes para sua reflexão, caro leitor:
Racistas apontam a pobreza do continente africano como uma evidência da inferioridade dos negros. Como se explica esse subdesenvolvimento?
Essa pretensa inferioridade do continente africano não tem nenhuma base histórica. Quando o povo de Israel se formou, segundo narrativas bíblicas, a partir de Gênesis 10, algumas nações cuxitas africanas já tinham se destacado por seus feitos e conquistas. As poderosas Babilônia e Assíria foram nações fundadas pelo lendário cuxita Ninrode. O grande império egípcio foi governado pelos faraós Tiraca e Sisaque, da Etiópia. Mais tarde, Alexandria, no Egito, país africano, se tornou o maior centro de estudos e pesquisas do mundo então conhecido. Não muito tempo antes de Jesus nascer, os africanos da Tunísia, com seus generais, como o celebrado guerreiro Aníbal, por pouco não conquistaram o poderoso Império Romano. Chegaram a dominar a Sicília. A parada no progresso dos negros africanos foi posterior, com a colonização.
Por que o racismo achou guarida até mesmo no seio da igreja cristã?
Consideramos o racismo mais do que um problema ético do campo da história e da antropologia cultural. É um pecado social e, como tal, com origem na esfera espiritual. Na medida em que a igreja desobedece aos mandamentos de Jesus, ignorando o alcance das lições da koinonia divina, o resultado é, infelizmente, este que estamos discutindo. Mas no início do cristianismo havia fraternidade entre os negros e não-negros. Prova disso é que um dos mestres e profetas da igreja era Simeão, o Níger, isto é, negro em latim.
Mas a escravidão era uma realidade entre os povos bíblicos.
Historicamente, desde a antiguidade, infelizmente, houve a prática da escravidão. Só que a motivação não era propriamente étnica. As razões que determinavam a perda da liberdade eram: captura, compra, nascimento, restituição, dívidas, autovenda, rapto ou militar, quando os povos vencidos nas guerras eram escravizados. O fator determinante não era a cor da pele, como veio acontecer depois.
Como se desenvolveu essa “teologia racista”, baseada em quê?
Grande parte deste fato deve ser creditado à ganância das nações européias que lotearam, entre si, o continente africano. Para isso, foi montada uma operação teológica herética para desqualificar as populações africanas. Partes da Bíblia eram cuidadosamente destacadas, tais como: Gn 4:8-16; 9:20-25; Ct 1:5,6; 1Co 12:13, etc, sobre as quais desenvolveu-se a doutrina poligenista, que advoga o surgimento de casais diferentes. Ensinavam que negros e asiáticos não descendiam de Adão e Eva, chocando-se frontalmente com o que diz a Bíblia em Atos 17:26: “De um só sangue fez toda a geração dos homens”.
Qual tem sido a contribuição negra à teologia e à história cristã?
O cristianismo atual deve muito aos cristãos africanos. Só que muita gente não sabe disso. Os chamados “Pais da igreja” pertenceram à igreja africana, com destaque para as comunidades cristãs antigas do Egito, da Etiópia e do norte da África, de um modo geral. Entre esses gigantes estão Orígenes, Atanásio, Cirilo, Tertuliano, Frumêncio e o notável mestre Agostinho. E na história da igreja primitiva, temos Simão, o cirineu, que ajudou Jesus a carregar a cruz, e Lúcio, líder da igreja de Antioquia, ambos eram negros!
A Bíblia reserva promessas especiais aos povos negros?
Evidentemente que os povos negros estão incluídos na grande festa indicada em Apocalipse 7:9. Todavia, mais especificamente, o Salmo 68 faz referência ao Egito e à Etiópia como nações camitas (negras) que, no futuro escatológico, serão parceiras de Israel na adoração ao Senhor. O texto diz: “...a Etiópia cedo estenderá para Deus as suas mãos”. Outra grande demonstração do amor de Deus aos negros foi registrada pelo profeta Amós: “Não me sois, vós, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes?”. O carinho que Deus dispensava aos judeus era semelhante ao que devotava aos negros!
Repetindo a célebre frase de Martin Luther King “Eu tenho um sonho”, qual seria suas aspirações nesse dia da Conciência Negra?
Na esteira do grande batalhador que foi o pastor negro Luther King, esperamos que haja igualdade de oportunidades para todos, nas dimensões secular e espiritual. Martin Luther King, no balanço dos 358 dias da campanha que realizou na cidade de Montgomery (EUA), declarou: “Tenho a firme convicção de que Deus colocou sua mão sobre Montgomery. Que todos os homens de boa vontade, brancos e negros, prossigam trabalhando com Ele”. É este também o nosso desejo para o Brasil e para a igreja.
OBS: Essa entrevista na íntegra encontra-se em meu livro recem lançado "Grandes Entrevistas" (Ed. Arte Editorial).
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
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8 comentários:
Parabéns pela entrevista. Esclarecedora e oportuna. Essa é a melhor forma de curar pecados sociais e ocultos.
Maravilha!
Sempre quiz ter maiores sobre o preconceito,esta falsa superioridade dos brancos contra os negros.
Creio que se o poder material ,ou melhor, se a história tivesse sido ao contrário, negros com material bélicos, prontos, e friamente usassem contra a raça branca ,ao domínio seria dos negros,mas a consciência negra não é o domínio é a conscientizar que o mínimo que nós ,seres humanos queremos é que o amor de DEUS,seja visto como Amor ,não como uma cor.Parabéns continue com o assunto, pois haverá muitos interessados na sua pesquiza!
Um abraço!
Muito esclarecedora e rica entrvista!
parabéns pela divulgação!
vamos dar férias eternas ao racismo,rs
DIA 20/11 foi é um feriado racista..... "Dia da consciência negra", em alguns Estados............
Pecado?? Que mente limitada...
Pq mente limitada?...eu tbe considero pecado desprezar, não amar, desrespeitar ao próximo pelo simples fato de não ter a mesma cor.
Acho que perante aos olhos de Deus...é sim pecado!
A condição humana deve ser respeitada. Cor de pele, cabelo e olhos, altura, peso, origem, sexo e outras não podem ser motivo de depreciação.
Essa entrevista é muito esclarecedora.
Me ajudou bastante à tirar minhas dúlvidas.
PRecisamos muito de pessoas enteressadas em levar a verdade real da bíblia.
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